domingo, 22 de fevereiro de 2015

Pop Art: 1956-1970

Em 1947, Eduardo Paolozzi (1924-2005), então com 23 anos, foi a Paris seguir seu sonho de ser artista. Ali conheceu muitos expoentes da arte moderna, entre os quais Tristan Tzara, Alberto Giacometti e Georges Braque. Ele mergulhou nas ideias do dadaísmo e surrealismo.
Foi nesse ano que produziu Eu era o brinquedo de um ricaço (1947): uma colagem feita de imagens de revista de papel brilhoso que lhe haviam sido dadas por soldados norte-americanos que conhecera em Paris.

A colagem é tosca em todos os aspectos. A coleção de recortes de revistas e o cartão-postal estão colados com pouco senso de permanência, ao mesmo tempo que o tom do quadro é atrevido e cheio de sugestões sexuais.
Dentro da bolha de fumaça branca que emana da pistola está a palavra "POP!"- escrita em vermelho. A colagem tem todas as características distintivas do movimento que só seria oficialmente fundado uma década depois: tanto a revista maliciosa quanto a fonte no estilo de revista em quadrinhos que Paolozzi usou para a palavra "pop" apontam para o fascínio pela pop art entre os jovens e descolados, a cultura popular, o sexo fortuito e os meios de comunicação de massa.
Paolozzi identificou o poder da celebridade, das mercadorias de marca e da publicidade numa nova era de consumismo. Uma era em que tais deleites seriam o ópio das massas: a cocaína do capitalismo.

A colagem de Paolozzi encarnava o espírito fundamental da pop art: a crença de que alta e baixa cultura são uma só e mesma coisa, que imagens de revista e garrafas de bebida eram tão válidas como formas de arte para criticar a sociedade quanto as pinturas a óleo e as esculturas de bronze adquiridas e expostas pelos museus.

Eu era o brinquedo de um ricaço, de Paolozzi, foi uma das várias colagens que ele usou para ilustrar uma palestra que deu no Institute of Contemporary Arts (ICA), em Londres, em 1952. Ele intitulou a palestra "BOBAGEM!", citando uma frase dita por Henry Ford ao jornal Chicago Tribune : "A história é mais ou menos bobagem. É tradição. Nós não queremos tradição. Queremos viver no presente". É uma declaração que evoca o futurismo de Marinetti, e talvez por isso tivesse agitado o sangue italiano de Paolozzi. Ele não estava sozinho em seu fascínio pela cultura de consumo. Esse era um interesse compartilhado por alguns de seus amigos britânicos - um grupo muito unido de artistas, arquitetos e professores radicado em Londres que se tornou conhecido como Grupo Independente.


Richard Hamilton (1922-2011) contribuiu de maneira entusiástica para a exposição This is Tomorrow, montada em 1956 na Whitechapel Art Gallery, no leste de Londres, uma mostra que pretendeu olhar para a frente após a austeridade dos anos seguintes à guerra.

O que exatamente torna os lares de hoje tão  diferentes, tão atraentes? (1956)(abaixo) é uma colagem com recortes de revista num papelão. O casal da imagem está cercado pelas mais recentes comodidades domésticas: uma televisão, um aspirador de pó, presunto enlatado e um gravador de último tipo colocado no assoalho.


Hamilton expressou o otimismo da sociedade em relação a um futuro higt-tech. Um futuro em que todos (pelo menos no Ocidente) viveriam uma vida de abundância, facilitada por produtos modernos, e teriam tempo livre para usufruí-los. A vida estava se transformando de esforço árduo em leve entretenimento. O futuro seria preenchido com filmes e música pop, carros velozes, engenhocas práticas, comida enlatada e aparelhos de tv.

Hamilton definiu a cultura popular como: "Popular (destinada a um público de massa), Transitória (solução de curto prazo), Descartável (facilmente esquecida) , Barata (produzida em massa), Jovem (destinada à juventude), Espirituosa, Sexy, Atraente, Glamurosa e Muito Lucrativa".

A pop art era um movimento extremamente político, com aguda consciência dos demônios e armadilhas ocultos na sociedade que estava retratando. os artistas pop, como os impressionistas nos anos 1870, tinham olhado à sua volta e documentado o que viam. 

Os dois jovens norte-americanos sentiam que os expressionistas abstratos haviam perdido contato com a realidade. Haviam se envolvido demais consigo mesmos, abandonando temas reais em favor de pronunciamentos grandiosos de seus próprios sentimentos. Menos obcecados por si mesmos, Johns e Rauschenberg queriam refletir e discutir a realidade da monotonia da vida à sua volta, que era os Estados Unidos modernos nos anos 1950. A partir de seu ateliê em Nova York eles trabalharam juntos, compartilharam ideias e criticaram o que produziam. Foi uma parceria de dois artistas de mentalidades semelhantes que se ajudaram mutuamente a galgar novas alturas e desbravar novos territórios, cada um no próprio estilo. A obra produzida por Johns e Rauschenberg abriu caminho para Andy Warhol ( que comprou o desenho de uma lâmpada feito por Johns em 1961) e Roy Lichtenstein: os dois sumos sacerdotes da pop art norte-americana. Naquele estágio, porém - Nova York em meados da década de 50-, Rauschenberg e Johns eram conhecidos como neodadaístas. 


Bandeira (1954 -55) Jasper Johns




Feita a partir de pedaços de jornal e tela, pintada com o uso da antiga técnica da encáustica. Toda a superfície é a bandeira norte-americana, sem deixar margem ou moldura.
Johns está jogando um jogo mental, questionando se essa é de fato uma bandeira ou a pintura de uma. Afinal, se uma bandeira nada mais é que tecido a que foi acrescentada cor - não pode ser o próprio emblema dos Estados Unidos? 

Em que momento a arte se torna uma mercadoria e uma mercadoria se torna arte?

Suas pinturas nos obrigam a prestar atenção ao mundo em que vivemos. Sua arte, nesse aspecto, era voltada para fora, e a antítese das declarações audaciosas do expressionismo abstrato sobre nossos sentimentos íntimos.

Para Rauschenberg seu ponto de partida foram os readymades de Duchamp e o conceito de Merz de Schwitters - arte elevada feita a partir de cultura vulgar. O artista norte-americano percorria alguns quarteirões em torno de seu ateliê em Nova York à procura de objetos "achados"- sucata, fragmentos e curiosidades que pudesse transformar em expressão artística. Para ele a rua era uma paleta e o piso de seu ateliê, um cavalete. 

Monograma (1955-59).Rauschenberg



cabra: expressão de amor pelos animais
pneu: representa uma era nova, mais insensível. Rauschenberg morou perto de uma fábrica de pneus na sua infância
tinta aplicada na cabra: crítica aos expressionistas abstratos
manga da camisa: remete à infância de Rauschenberg, pois ele não tinha como comprar camisas novas
sola de sapato: caminhadas do artista
bola de tênis: esforço físico

Monograma é a sobreposição, agrupamento ou combinação de duas ou mais letras ou outros elementos gráficos para formar um símbolo.

Produziu também uma série de Pinturas brancas (1951)(abaixo)



Pinturas brancas (1951), que foi ao mesmo tempo uma troça ao expressionismo abstrato, uma mesura à famosa pintura suprematista Branco sobre branco (1918) de Malevich e uma exploração de "até onde é possível empurrar um objeto sem que ele perca por completo seu significado". As Pinturas brancas consistiam em telas retangulares ou quadradas idênticas uniformemente cobertas de tinta branca, penduradas uma junta da outra como soldados numa parada. Não pretendiam ser pinturas expressionistas carregadas de ansiedade, mas obras de arte que eram ativadas por incidente e acaso, como poeira pousando na tela, ou a sombra de alguém a contemplá-las, ou um raio de luz salpicando sua superfície.


Curadores e outros artistas deslocavam-se até as principais galerias de arte de Manhattan para ver as obras de Rauschenberg e Johns.

De Kooning era um dos artistas mais respeitados do mundo - uma pessoa cuja simples presença enchia todos de reverente admiração. Rauschenberg, em comparação, era um iniciante presunçoso: um ninguém. 

Rauschenberg foi até o ateliê do artista De Kooning e  pediu a ele um trabalho de que sentiria falta, e que fosse muito difícil de apagar. Rauschenberg labutou durante um mês, removendo os traços de De Kooning com uma borracha. Ele conseguiu. O objetivo do exercício não era um ato dadaísta de destruição, mas uma tentativa de encontrar uma maneira de incorporar um desenho em sua série toda branca.
O Desenho de De Kooning apagado (imagem abaixo), visto como uma das primeiras peças de arte performática, inspirou uma geração de artistas nos anos 1960. 
As Pinturas brancas estavam certamente na mente de Richard Hamilton quando ele foi convidado pelos Beatles para criar a capa para seu Álbum branco (1968): uma capa branca lisa, com o nome da banda estampado em relevo de maneira apenas visível.
E as Pinturas brancas funcionaram como um precursor do minimalismo, ao mesmo tempo, que deram ao compositor - e grande amigo de Rauschenberg - John Cage o ímpeto para escrever sua famosa peça de não música 4'33: quatro minutos e 33 segundos da experiência sonora que Cage disse preferir a todas as outras: silêncio.
Rauschenberg e Johns haviam decidido libertar a arte moderna norte-americana do controle inamistoso do expressionismo abstrato, e conseguiram. Suas imagens e apropriações da cultura popular deixaram de ser vistas como piada e começaram a ser levadas a sério.

O Desenho de De Kooning apagado (1953). Rauschenberg.





No final dos anos 50, Warhol ainda não tinha descoberto sua própria temática ou estilos sobre os quais construir sua carreira nas belas-artes.
Em Coca-Cola(1960) . Era subjetivo demais.


Andy seguindo as dicas de Irving Blum reconcebeu a obra Latas de sopa Campbell (1962) em uma unidade composta por 32 telas. A obra definiu a pop art e a obsessão primordial do movimento pela produção em massa e a cultura de consumo. A decisão de Warhol de não criar seu próprio estilo gráfico, mas imitar o das latas de sopa Campbell, tem uma dimensão social e política. Era uma censura duchampiana ao mundo das artes por elevar artistas ao papel de gênios onividentes, além de ser um comentário sobre o status diminuído dos trabalhadores individuais no mundo homogeneizado da produção em massa.


"Por trás da aparente ausência de alma do motivo repetido está a mão do artista, um indivíduo cuja tarefa é executar a obra. Assim como por trás da criação de uma lata de sopa Campbell estão os esforços de indivíduos desconhecidos e não devidamente reconhecidos".

O artista chinês Ai Weiwei estava propondo uma ideia semelhante na Tate Modern em 2010 quando encheu o cavernoso Turbine Hall da instituição com 100 milhões de semente de girassol de porcelana. O artista estava se referindo à vasta população chinesa e lembrando o mundo que seus compatriotas não são uma massa singular que pode ser irrefletidamente menosprezada, mas uma coleção de pessoas singulares com suas esperanças e necessidades.

Díptico de Marilyn (1962). O objetivo era eliminar sua mão por completo da execução da obra de arte, encontrar um efeito mais "linha de montagem", que ajudaria a fechar a brecha entre suas imagens, sua produção e aquelas que elas estavam imitando. A impressão por serigrafia fez isso e mais: permitiu a Warhol empregar as cores berrantes usadas na esfera comercial.


Num lado a imagem de Marilyn nunca envelhece - ela é jovem e linda, sensual e animada. Enquanto isso, no outro lado - no sótão, por assim dizer - há uma imagem de sua deteriorização de uma beleza de tela (de seda) para uma mulher fantasmal que perdeu seu esplendor. Sem dúvida ele havia transformado a atriz num produto, mas os fornecedores e consumidores da cultura pop tinham feito o mesmo.

Roy Lichtenstein se deparou com as HQ's em 1961. Nos anos 1960, os quadrinhos em cores usavam uma técnica de impressão chamada Ben-Day Dots. Ela se baseia nos mesmos princípios do pontilhismo de Georges Seurat. Isso economizava dinheiro. 
Davam-se conta da ironia de terem pago uma grande soma de dinheiro por uma cópia de um objeto sem valor e produzido em massa? Ou afluíam para comprar pinturas de Lichtenstein porque elas eram divertidas e alegravam uma sala?


Peter Blake (1932) criou o design da capa do álbum dos Beatles - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. As cores vivas, o humor irônico e a apropriação de imagens de celebridades das mais diversas esferas são todos característicos da pop art de Blake.


Claes Oldenburg (n.1929) se mudou para Nova York em meados dos anos 1950 e tornou-se atuante no cenário da arte de vanguarda. Em 1961 alugou um prédio no Lower East Side por um mês, no qual instalou A loja (1961). No fundo do prédio ele fabricava os "produtos" para seu empreendimento, que era uma loja varejista em pleno funcionamento, "aberta" na parte da frente do prédio. Oldenburg estocou sua loja com chapéus, vestidos, lingerie, camisa e os mais diversos artigos, inclusive bolos: tudo podia ser comprado.


Não eram feitos de algodão delicado, ou dos mais finos ingredientes, mas com tela de arame, estuque, musselina e pegajosos nacos de tinta. O artista pendurou suas mercadorias toscamente feitas no teto, empilhou-as contra a parede ou deixou-as soltas no meio da loja. O efeito foi tornar o lugar parecido com uma gruta de Satã: um lugar cheio de itens inúteis e ofensivos, enganosamente vendidos como objetos de desejo.

Ele fixou o preço de seus produtos, ou talvez eu devesse dizer "esculturas", da mesma forma que o comércio em geral. Um "vestido" podia ser adquirido por USS 349,99 e um bolo, por Uss 199,99.

Fez muito sucesso com curadores, colecionadores e artistas afluindo em massa à loja para ver e nem é preciso dizer - comprar.
Em 1962 fez uma escultura chamada Dois cheeseburgers com tudo (Hambúrguer dual). É mais uma peça quintessencial da pop art. É engraçada, é banal, eleva a junk food a arte elevada e é o epítome da cultura de consumo (observe que o pedido inclui as palavras "com tudo"). As ironias abundam, como o enorme tempo despendido para fazer algo que é consumido em segundos, e a escultura é tão bonita que dá vontade de comer, mas é feita de estuque e esmalte.
Como comida, é uma ilusão; a satisfação é garantida, mas no fim das contas inalcançável. Como obra de arte, porém, cumpre sua promessa de divertir e alimentar.


 A loja era um cenário teatral em que nossa interação com o que os curadores chamam de "ambiente" ou instalação faz de nós o jogador principal: a estrela do show.

Os happenings em que Oldenburg estava envolvido eram eventos marginais, muitas vezes anunciados como instalações, que tinham a sensibilidade pop art do aqui e agora e do efêmero. Confere aqui mais um vídeo:https://www.youtube.com/watch?v=AxPtQKJOZzU

Kaprow (1927-2006) que disse a Roy, quando o artista pop estava indeciso quanto a explorar seu estilo Ben- Day, que "arte não precisa parecer arte para ser arte". 


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